Houve uma época na humanidade que era moda fazer boizinhos de batata. Todas as crianças, sejam meninos ou meninas, faziam boizinhos de batata. Nem todas confessavam, mas com certeza faziam. Eram boizinhos e cavalos. Até mesmo o tio gordinho virava um boizinho de batata. Era simples: uma batata espetada com alguns palitos. Pronto, o primo rechonchudo estava feito. Adicionando mais dois palitos à cabeça e ele se tornava um touro. Era prático, fácil e entretia as crianças por horas. Nada melhor para os pais (sejamos claros, as crianças eram muito atentadas naqueles tempos) do que os filhos brincando no fundo da casa com boizinhos de batata.
Essas crianças cresceram e tiveram filhos. Seguindo uma linha meio alternada, às crianças que nasceram entre os anos 70 e 80 e pouco. Essas crianças também gostavam de se distrair, mas as batatas criaram um sindicato e atentaram para seus direitos. Por isso nenhuma criança mais queria batatas com palitos para brincar. Eles começaram a descobrir que os produtos artificiais eram mais duradouros e bem feitos do que as comidas (aliás, as mães passaram a dizer “não brinca com sua comida, moleque”, o que causou o fim da era dos boizinhos de batata). Então, a geração intensa da divisão de bonecas e carrinhos começou. Os peões e as bolinhas de gude invadiram os intervalos escolares e todos os moleques tinham a figurinha da moda para jogar bafo. A revolução do mundo dos quadrinhos invadiu a cabeça da criançada com poluição visual. A era da criatividade individual foi substituído pelo da criatividade das grandes empresas.
É, você que tem aí de vinte a trinta e cinco anos e fica falando: “É que hoje em dia é diferente, todo mundo segue o que os outros dizem e o que está na moda. Esses brinquedos e vídeo-games que não fazem as crianças pensarem”. Meu amigo, sinto informar que isso é culpa sua, que recebeu tão carinhosamente essa era. Antes você precisa (com muito esforço, concordo) imaginar um boi numa batata espetada e sem contar os carrinhos, que levavam tanto suor até ficarem prontos. Como vocês gostaram tanto de carrinhos pronto e desenhos do sábado de manhã, não foi difícil desenvolver de lá pra cá.
O que nos coloca na próxima geração. A das crianças que nasceram entre os anos 80 e 90, e cresceram antes do terceiro milênio chegar. São as crianças que apreciaram os jogos virtuais e que começaram a descobrir o computador, antes objeto de trabalho de grandes empresas. São as crianças que aprimoraram o sentido do “virtual é melhor” e abandonaram seus cachorros a mercê dos tamagochis (sim, os famosos bichinhos virtuais – polêmicos, é verdade), deixaram os carrinhos de padaria para sonharem com os de controle remoto, passaram a etiquetar os desenhos como “animes" e "americanos”, criando grupos distintos de pensamentos. São eles que eternizaram as horas na frente da TV a partir dos desenhos e, em poucos anos, começaram a assistir Malhação (caramba, não entendo porque esse programa existe até hoje se todo mundo só fala mal dele).
Sim, eu tomo parte nisso, na decadência em que o pensamento próprio tomou na vida das crianças e dos adolescentes.
Mas esse é o desenvolvimento da humanidade, o passo evolutivo que se aprimora a cada geração: que haja um pensamento dominante e nós aceitemos de boa vontade o que ele dita. Não xingue as crianças (por sinal, ridículas crianças) que vivem freneticamente pela mídia popular e seguem de forma espalhafatosa tudo o que a novela da Globo disse. Antes, tente convencê-las de que isso é errado e ela está indo num caminho obscuro. Este é um conselho difícil até para mim mesmo, pois não tenho paciência para pessoas fanáticas por High School Musical que ainda choram porque a Felisberta terminou com o Chafuldifórnio naquela porcaria de programa que passa estrategicamente em um horário onde as pessoas de 12 a 16 anos estão em casa.
Nem todos se convencem de que Chaves é ainda o melhor programa, ou que os Thundercats mudaram nossas vidas. Nem todos sabem a importância dos Smurfs para o nosso caráter ou porque Tintin nos tornou tão corajosos. Ninguém explica porque ainda achamos que a melhor fonte de cultura era o X-Tudo. Não, nem todas as crianças e adolescentes desse novo milênio aceitam as mesmas idéias que eu (ou nós).
Mas, antes de recriminá-las, pergunte a si mesmo:
Você abandonaria a infância que teve para brincar com boizinhos de batata ?
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
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5 comentários:
Eu fiz boizinho de batata e sou feliz!
A verdade é que querem DESTRUIR a infância nos dias de hoje, vendendo uma imagem para as crianças de que é besteira ser criança se você pode ser adolescente. Então você vira adolescente e te vendem a imagem de que é besteira ser adolescente se você pode ser jovem. Então o adolescente retardado como é vai querer bancar uma de jovem e vira PAI e da noite pro dia já virou adulto. E quando chega na idade jovem vira um velho chato cheio de gastrite e com o cabelo caindo. Daí, ao chegar na maturidade adulta vê o desperdício que foi sua vida e quer voltar a ser adolescente. Então fica velho e age feito criança! TUDO ERRADO!!
É o primeiro comentário sério do Israel no meu blog !!!!!!
Viva !!!
E ainda foi pra detonar tudo...
Valeu !!!
O Eric fez boizinhos de batata... E o que ele faz hoje ???
A sereia, o orc... nada tão perfeito como antigamente...
só tenho umas coisas a dizer..
os textos estao muito bons mesmo..
mas pega leve ai..
mal a gente termina de ler um, e ja tem mais dois..
hahaa
flws
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